21.4.10

sobre tinta, livros e equívocos

aos quatro anos, toda criança tem uma idéia (estapafúrdia) do que quer fazer quando adulto. bailarina, veterinária, astronauta, bombeiro... não muda muito. no geral, não levam esse assunto muito à sério. a não ser eu, é claro. 
logo que me perguntavam (com aquele tom infantil extremamente enjoativo e irritante)  “o que você vai ser quando crescer?”, eu respondia, com o tom mais adulto que conseguia, “vou me formar em artes plásticas”. o adulto em questão, nesse momento, levantava uma sobrancelha e fazia cara de quem não tinha entendido direito: “mas já está falando em se formar?” “ué, não foi o que você perguntou?” e o adulto, sem saber ao certo o que responder, me mandava brincar com o cachorro ou com as bonecas. assunto encerrado.
claro, ninguém bota fé numa criança esquisita que diz querer ser artista plástica até que ela dê um bom motivo para isso. eu, no alto dos meus sete ou oito anos, já tinha sacado isso. num certo dia, xeretando a estante de livros do meu primo (que estava cursando direito e era o maior bookworm que eu conhecia), achei uma biografia do leonardo da vinci. automaticamente fui perguntar à ele se poderia ler o tal livro. em meio a risinhos de todos do recinto, meu primo autorizou, contanto que eu tomasse cuidado. trato feito.
dali em diante não se via julia brincando com os cachorros, ou dançando ao som do rádio, ou insistindo para ir tomar sorvete na praça (ok, essa última parte pode estar meio infiel à realidade…), apenas sentada no tapete felpudo devorando um certo livro (e, é claro, de tempo em tempo comentando com os parentes alguma passagem interessante, para assombro deles).
é nessa parte da história que, se eu pudesse, voltaria. a julia de oito anos não soube direcionar o fascínio que sentia. não querendo desmerecer da vinci, por favor, eu ainda sou uma grande admiradora de arte. o fato é que ali, durante aqueles poucos dias, o que eu senti era forte o suficiente para me fazer querer aquilo para o resto da vida, mas houve um erro de interpretação: não era entre telas, tintas e pincéis que eu queria viver. era entre livros. 
esse pequeno erro só foi corrigido aos dezessete anos. não que eu me arrependa de ter insistido tanto tempo  nessa idéia, já que ela me trouxe infinitas coisas boas. até hoje tenho meu bloco de canson e minhas aquarelas num lugar de fácil acesso, no caso de me bater aquela vontade arrebatadora de pintar – e bate com certa frequência. mas era uma mentira. uma mentira colorida, cheia de glamour, mas, ainda assim, uma mentira.

o único motivo de eu estar escrevendo a respeito disso é para tentar quantificar o prazer que é perceber que se está seguindo pelo caminho certo, talvez pela primeira vez na vida. mas é inútil, devo alertar.

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